terça-feira, setembro 16

Última noite

- Então você esperou a semana inteirinha pra estar comigo hoje? Foi isso que entendi? – Marcelo levantou o lençol e deitou – se ao lado de Mariana. A garota moveu – se em sua direção e o abraçou, colocando a cabeça sobre seu peito.
- Foi isso mesmo, sim senhor. E o lindo do meu namorado insensível ia se bandear com os amigos pra gandaia ao invés de passar uma noite fria de sábado ao lado da menina que ama.
Marcelo riu baixinho e beijou a namorada.
- Mas me lembrei do que combinamos e tratei de consertar as coisas.
- Que bom! Isso me deixa super feliz! – Disse Mariana, abraçando ainda mais forte Marcelo.
- Mas estou com uma coisa na cabeça...
- O quê, meu doce?
- O Alê deve ter ficado puto da vida. Eu vi a cara que ele fez quando te trouxe pra cá. Nem saiu do carro pra me cumprimentar.
O rapaz voltou seus olhos para cima e suspirou.
- Não esquenta. Ele vai entender. Depois eu falo melhor com ele.
- Eu gosto do Alê, Marcelo. Não quero que fique chateado comigo...
Ele beijou a namorada.
- Não vai ficar. Vamos nos falar. Você vai ver.
Um som veio da rua em frente. Um estampido ou coisa parecida. Como se alguém tivesse caído no chão. Somente Marcelo percebeu.
- Ouviu isso?
Mariana se levantou um pouco. Para tentar ouvir alguma coisa.
- Não. O que era?
- Parecia um barulho de alguma coisa caindo...
Marcelo se levantou e foi até a janela.
A cena, na rua em frente a casa de Mariana, era, no mínimo, curiosa. Duas pessoas estavam próximas á um carro. Um deles, um homem vestido com um terno escuro, jazia no chão, olhando para o outro homem em pé, á sua frente. Este, usando roupas também escuras, que, na parca iluminação da rua, Marcelo não conseguia distinguir com clareza, pareciam ser algum tipo de uniforme. O rapaz só percebeu tratar – se de algo grave quando homem do terno sacou uma pistola e apontou para ou outro. Este, entretanto, não esboçou medo algum. Apenas levantou uma das mãos. O homem com a arma pareceu estar tendo algum tipo de ataque epilético ou do coração pois largou a arma e, por alguns momentos, se debateu freneticamente. Poucos segundos depois desabou no asfalto da rua e não se moveu mais.
Estava morto. Marcelo sabia disso.
- Que merda! – O grito de espanto foi quase que reflexivo, quando Marcelo constatou a verdade dos fatos. O assassino ouviu e, virando – se, pode ver o rapaz na janela do outro lado da rua.
Marcelo abaixou a persiana ofegante e virou – se para falar com Mariana. Quase teve ele um ataque do coração ao ver que o estranho da rua estava agora dentro do quarto com ele e a namorada.
Mariana tentou dizer alguma coisa mas foi acometida pelo mesmo ataque que vitimou o outro homem do terno escuro. Caiu aos pés de Marcelo. Sangue escorria de seu nariz.
- Não! Mariana! NÃO!!!
O duplo homicida estendeu a mão para o rapaz. Marcelo sabia o que ia acontecer. Foi mais rápido e lançou – se como um louco pelos cômodos da casa de sua namorada, tentando fugir e salvar a própria vida. Chegou até a porta da sala. Estava trancada mas conseguiu encontrar as chaves na escrivaninha do telefone. Quase não acertou o buraco da fechadura. Quando abriu a porta seu horror foi indescritível. O assassino estava em pé do lado de fora. Ele só olhou Marcelo nos olhos e sua cabeça parecia á ponto de explodir. O rapaz foi ao chão, O nariz sangrava. Ele estava morrendo.
Marcelo ouviu o som de tiros. A dor lancinante que o aometia violentamente desapareceu. O assassino simplesmente fechou os olhos e caiu aos pés do rapaz. Atrás dele, Marcelo pode ver uma mulher, de longos cabelos negros, com feições orientais, usando um terno negro semelhante ao do homem que havia sido morto na rua, com uma pistola nas mãos. Foi ela quem atirou.
A mulher caminhou pra dentro da casa e Marcelo começou a se levantar. Antes que ficasse em pé, foi alvejado, á queima – roupa, pelos tiros disparados contra ele. Morreu rapidamente, sem sequer entender o que havia acontecido. Guardando a arma no coldre dentro de sua roupa, a desconhecida percorreu os cômodos restantes da casa. Chegou até o quarto e encontrou o cadáver de Mariana. Tocou um pequeno aparelho que carregava no ouvido e começou á falar.
- O alvo foi detido.
Aguardou alguns instantes e, após ter recebido uma resposta, continuou.
- Duas testemunhas civis. Uma morta pelo alvo e a segunda eliminada na operação.
Novas orientações lhe foram passadas através de seu dispositivo comunicador.
- Entendido. A equipe de coleta não seria a mais indicada. Temos o corpo de um dos agentes numa via pública, ao lado do local onde as testemunhas aparentemente viviam. Um pirocinético, de preferência acompanhado por um deslocador, será mais eficaz. Ainda resolvemos, com isso, o problema de uma possível contaminação.
Pela última vez a mulher recebeu instruções do comunicador e o desligou. Ao se voltar em direção á porta do quarto, deparou – se com o assassino em quem havia atirado minutos atrás, em pé, bem na sua frente. Sua expressão era de ódio. Muito ódio.
Do lado de fora da casa de Mariana, a janela aberta do quarto foi iluminada pelo clarão e o ruído de tiros, seguidos de um grito feminino quase sufocado.

segunda-feira, fevereiro 18

Caçadores de assassinos

O silêncio dominava as ruas. Não havia ninguem para testemunhar a chegada de três pessoas ao imenso arranha céu espelhado, as margens do rio escuro, numa zona nobre da cidade. O casal chegou primeiro, num belo Citroem negro como a madrugada que os cobria. O outro rapaz veio sozinho, trazido pela rapidez de seu conversível. Encontraram - se no saguão de entrada do último andar do edifício e abraçaram -se calorosamente pois faziam anos que não se viam. Logo em seguida as portas duplas do apartamento se abriram e um homem alto, de meia idade os cumprimentou educadamente, convidando - os a entrar. Entraram e sentaram - se numa grande mesa redonda, no que parecia ser um escritório. O homem que os recebeu e agora sentava - se de frente aos três, começou a falar.
- Acredito que todos sabem o motivo de estarem aqui. Porque os chamei após tantos anos, depois de termos nos encontrado pela última vez.
Os três assentiram com acabeça em aprovação. Estavam radiantes.
- Vamos direto ao assunto. Fomos aprovados senhores! - Disse, entusiasmado. - Estamos oficialmente na ativa a partir do presente momento. Recebi ontem a confirmação de nossos empregadores.
- Excelente - Exclamou o rapaz de cabelos longos, sem conseguir conter a alegria.
O homem que dava as boas notícias continuou. - Sem demora quero apresentar - lhes nosso primeiro caso. - Pegou um controle remoto que estava em cima da mesa e acionou o Home Theater na parede próxima. As imagens mostravam uma
reportagem recente, que alguns deles já haviam visto na tv. Dava conta da ação de um assassino serial em diversas partes do país.
- Este, senhores, é o monstro conhecido como " Migrador ". Vem agindo em solo brasileiro a bastante tempo. Mais do que poderíamos tolerar, se me permitem o comentário. - Levantou -se e caminhou em direção ao vídeo.
- Mata somente mulheres, de vinte e dois á trinta anos. As vítimas são abordadas, ao que parece, em casas noturnas e conduzidas até locais específicos, onde são espancadas, estupradas e, posteriormente, mortas.
Ao comando do controle remoto, imagens de corpos mutilados, de mulheres dos mais variados tipos, começaram a se alternar no vídeo. O anfitrião continuou.
- Perdoem - me, esquecí de mencionar que, na maioria dos casos, as mulheres são mutiladas da forma inumana que podem notar no slide.
- Animal... - A revolta transbordava na voz da bela garota do grupo.
- Não se preocupe, minha cara. - Disse o homem, pousando uma das mãos no ombro da mulher. - Sou o feliz portador da notícia de que foi rastreado até nossa cidade e, no mais tardar amanhã, estaremos em seu encalço.
O rapaz que permanecera calado até aquele momento, perguntou.
- Temos tudo preparado, então, Líder?
- Evidentemente. Armas e equipamento de ponta a nossa diposição a partir de agora.
- Migrador. Essa corja sempre consegue um apelido coerente – Suspirou a garota.
O anfitrião comentou.
- Nosso homem parece ter algum tipo de fascínio pela bíblia. Ele próprio se batizou. – Dito isso, acionou o comando do próximo slide. Na tela, o nome Migrador apareceu grafado, ao que parecia, com algum objeto cauterizante, nas costas de uma das vítimas.
O jovem de cabelos negros comentou.
- Migrador. Um dos quatro demônios descritos no Levítico. Tem esse nome porque destrói completamente um lugar e depois migra para outro, recomeçando o ciclo de destruição.
- O modus operandi do nosso homem. – Completou o homem em pé.
- Então não vamos perder mais tempo. - Disse a jovem mulher. - Líder, precisamos apenas desta noite para realizarmos os preparativos e amanhã estaremos aqui novamente, para o início da caçada.
Líder não conseguia esconder o entusiasmo. Após tanto tempo, depois de tantos anos de treinamento e preparação, era chegada a hora. A hora de fazer justiça. A hora de tornar o mundo um lugar menos pior.
- Senhores, este será nosso batismo de fogo. Nossa primeira empreitada. Deverá ser precisa. Direta. Perfeita.
- Não há com que se preocupar. Vamos conseguir, sem sombra de dúvida. - Respondeu o rapaz da tatuagem no braço, conhecido por menos palavras e mais ação.
Líder sentou - se novamente.
- Que seja então. Mente, Força e Perdição. Meus três discípulos. Minhas ferramentas. Sozinhos são armas letais. Juntos, o braço inexorável da justiça!
Naquela noite o mundo foi palco de uma revolução silenciosa. Não haveria como ninguem saber mas, enquanto os três amigos deixavam o grande prédio, ao lado do rio, encobertos novamente pela escuridão da noite, certos aspectos da humanidade e de suas linhas de ação, jamais seriam os mesmos, novamente.

- Senhores, estamos com sorte, esta noite. – Disse perdição, através do comunicador escondido em seu vestido.
Mente, posicionado numa sala esquecida do edifício, monitorava os passos da companheira pelo GPS do comunicador. Por meio de um conjunto de câmeras instaladas no interior do edifício, tinha um panorama privilegiado de toda a movimentação dentro dele. Suas atenções, no entanto, estavam concentradas no Portishead, uma casa noturna famosa que funcionava dentro do prédio, onde Perdição estava naquele momento.
Força, em um carro, do lado de fora da danceteria, estava atento ao entra e sai dos clientes.
- Aproximando – se do suspeito? – Perguntou.
- Se tudo der certo tenho o coelho nas minhas mãos em alguns minutos.
Usando a varredura infravermelha de sua aparelhagem, Mente estudou o ambiente e seus ocupantes. – Conto duzentas e sessenta pessoas dentro desse antro. Prudência, sutileza e rapidez. Sem testemunhas, de preferência.
- Estou me aproximando e vou abordá – lo entre cinco e dez minutos. Talvez em menos tempo. Fiquem de prontidão. Vamos começar. – Afirmou Perdição, caminhando para o centro da pista de dança. Logo a frente, um rapaz olhava – a fixamente, de uma mesa próxima.
A caçada tinha início.
- Força pronto.
- Mente pronto.
- Perdição agindo. Desligando comunicação. Estou em suas mãos, meninos.
A música alcançava níveis quase intoleráveis de altura. Todos dentro do salão pareciam não se importar com isso. Perdição fluía atravéz dos movimentos cadenciados de seu corpo perfeito, acompanhando a seqüências de samples psicodélicos do Drum´n Bass. Seu vestido negro, colado ao corpo, tornava ainda mais difícil para qualquer apreciador do sexo feminino desviar o olhar. Era virtualmente impossível resistir. E ele não resistiu.
O jovem da mesa próxima levantou – se e começou a acompanhar, dançando, os movimentos de Perdição. Abriu um sorriso satisfeito quando a mulher não o rejeitou, pelo contrário, recebeu – o calorosamente em seus braços.
- Me diz que você ta sozinha... – Brincou, sussurando nos ouvidos da mulher.
Perdição virou – se. – Estava esperando por você.
- Não me diga...
- Não sabe como estou sendo sincera.
Os dois dançavam e se beijavam num ritmo quase que desesperado. Do lado de fora, Força contatou Mente.
- Vou ter imenso prazer em esfolar esse maldito.
- Calma, meu amigo. Calma. Tudo por um bem maior... – Dizia Mente, ao mesmo tempo que tirava fotos do suspeito e comparava com os arquivos da polícia e do exército. As confirmações não demoraram a chegar.
- É o nosso homem, Força.
- Certeza?
- Como dois e dois são quatro...
- Avise Perdição.
O comunicador oculto na roupa da mulher pulsou de uma forma sutil que somente ela poderia perceber. Três vezes. Era o sinal.
Perdição descolou os lábios da boca do rapaz.
- Este lugar está começando a me entediar.
- Alguma sugestão?
- Meu apartamento. É perto daqui.
O rapaz riu novamente. Perdição viu que tinha um sorriso arrebatador.
- Nenhum problema em sair com estranhos?
- Meu nome é Laura. Não sou mais uma estranha.
- Muito prazer, Laura. Sou Danilo.
Ambos mentiam muito bem.
Rapidamente saíram do Portishead em direção ao estacionamento onde o carro de Danilo estava. Era um homem lindo. Alto, moreno, bem vestido, de voz suave e sorriso encantador. Quantas não resistiram aos seus modos delicados. Sua conversa agradável, inteligente e convincente. “ Laura “ conhecia todas as vítimas. Cada uma delas. Estava ali para assegurar que não houvessem outras.
O Crysler azul de Danilo ganhou a rua, virou a esquerda do Portishead e desapareu na avenida.
Força acionou o computador de bordo de seu carro. Na tela, um programa de localização de ruas dava, através do GPS de Perdição, posição, velocidade e rotas de acesso ao carro de Danilo.
Mente, entrou por uma das portas traseiras.
- Começamos a seguir? – Perguntou Força.
Seu amigo pulou para o banco da frente e localizou o sinal no monitor. Perdição e Migrador estavam chegando ao apartamento.
- Ainda não. Deixe que entrem. Não podemos correr o risco de sermos percebidos.

Laura e Danilo entravam no apartamento. O rapaz ficou impressionado com a beleza do lugar. A garota foi preparar algo para beberem.
- Então você mora aqui? – Danilo puxou conversa novamente.
Laura trouxe a bebida. – Só quando não estou presa no trabalho. – Brincou.
- O que você faz da vida?
- Vou atrás das pessoas.
Danilo olhou para Laura como se não entedesse nada.
- No meu ramo de atividade buscamos pessoas... como posso dizer... diferentes.
- Vai atrás de desaparecidos ou persegue fugitivos da polícia? É policial?
Laura riu. – Nem um nem outro, meu amor. E não. Não sou da polícia. Trabalho num ramo de atividade particular. Somos caçadores.
Danilo continuou não entendendo o que Laura queria dizer.
- É verdade, meu anjo. – Falava enquanto trancava a porta da entrada. – Vivo de caçar um certo tipo de homem... ou mulher.
O rapaz começava achar tudo aquilo muito estranho. Laura continuou.
- Confuso? Vou esclarecer as coisas, Migrador. Caço gente como você!
- N-não estou entendendo...
Ah, está entendendo sim. Está entendendo que as posições se inverteram agora. Você foi caçado. – Laura abriu a gaveta de uma cômoda e tirou dela uma arma. Apontou para Danilo.
- Você é louca!
- E você é um assassino.
Rápido como um raio, Danilo atirou contra Perdição o copo que tinha nas mãos. A mulher não esperava por isso e foi atingida no rosto, dando ao rapaz o tempo necessário para fugir, entrando na porta ao lado da sala onde estava. Perdição foi logo em seguida, cega de ódio. Grande erro. Ao atravessar a porta foi atingida novamente no rosto por Danilo, que a atacava com uma das estátuas da sala de jantar. A mulher foi ao chão. Furiosamente, Danilo golpeou – a repetidas vezes, nas costas e cabeça. Só parou quando Perdição mal podia se mover, estirada no tapete branco, agora manchado por sangue. Seu sangue.
- Vagabunda! – Bradou o rapaz. – Se acha muito esperta. Vou te ensinar a não se meter com gente como eu!
Danilo foi até a sala. Perdição, gravemente ferida, não conseguia se levantar..

Força e Mente tinham estacionado em frente ao apartamento onde Perdição e Danilo haviam entrado. O monitor de bordo mostrava o que acontecia no prédio. Os companheiros assistiram sobressaltados o rápido embate entre sua aliada e o assassino.
- Droga! – Força abria a porta do carro enquanto rosqueava o silenciador de sua pistola. – Precisamos subir! Já!
Mente pegou a Uzi do banco de trás e abriu a porta do outro lado do carro, saindo rapidamente em direção ao prédio.
Na portaria, Força atigiu o ombro do porteiro com um tiro preciso.
- Rápido!.
Mente escalou a cerca agilmente e pulou o portão. Chegou na portaria bem a tempo de impedir o porteiro de avisar a polícia. Com um golpe,fez com que perdesse os sentidos. Destravou o portão, permitindo que Força entrasse. Correram até o elevador.

Danilo pegou a arma de Perdição no chão e usou o fio do telefone, arrancado da sala, para amarrá – la. Puxou sua cabeça pelos cabelos e enfiou o cano da pisto la em sua boca.
- Devia matá – la agora, prostituta! Mais de dez policiais me emboscaram, meses atrás e não conseguiram nem chegar perto da minha sombra! Achou que com você seria diferente?
Esmurrou o rosto de perdição e largou – a no chão. A mulher cuspiu sangue, respirando com sofreguidão.
- Vamos brincar um pouco. – Disse, desabotoando a camisa. – Com as outras eu fui mais delicado, no começo. Com você vai ser tratamento de choque até o amargo fim! – seus olhos brilhavam com malignidade lasciva, enquanto desfivelava o cinto.
Um estrondo foi ouvido na sala. Os companheiros de Perdição haviam entrado. Migrador assustou – se. E mais essa agora? O assassino não perdeu tempo fazendo conjecturas. Agarrou a mulher e foi com ela até a varanda da sala de jantar. Mente já se estavaa vasculhando o outro lado da varanda quando viu o assassino correndo.
- Parado! Largue a garota!!! – Gritou, apontando a Uzi para Migrador.
- Nem mais um passo ou atiro a cadela lá pra baixo. – Revidou a ameaça, empurrando a mulher no parapeito da varanda. Ao ver Força se aproximando, apontou o revólver pra a cabeça de Perdição.
Não há saída, marginal. Largue a moça. - Bradou Força, da porta de entrada da varanda.
Migrador pensou rápido e arriscou alto. Empurrou Perdição rumo a morte certa e foi pra cima de Força, atirando. Mente não teve tempo de fazer outra coisa senão jogar – se contra o parapeito. Por um milésimo de segundo quase não conseguiu segurar a perna da garota e livrá- la de se despedaçar, quinze andares abaixo.
O impacto dos tiros de Migrador não atravessou o kevlar de Força mas foi suficiente pra desequilibrá – lo. O assassino jogou - se contra o rapaz, fazendo – o cair. Fugiu como um louco, atravessando a sala, alcançando a porta da saída.
- Vá atrás dele, Força! Peguei Perdição. Vou puxá – la de volta. Não deixe o maldito escapar! Vá!!! – Gritou Mente, suspendendo a atônita Perdição de volta á varanda.
Força não perdeu tempo. Disparou apartamento adentro e chegou rapidamente ao corredor. Podia ouvir Migrador descendo as escadas como se o inferno estivesse atrás dele. Olhou par o final do corredor e viu, através da janela, uma escada de incêndio externa. Estava com sorte.
Migrador alcançou a saída. Viu o portão de entrada escancarado e passou pela guarita sem perceber o porteiro demaiado. Já na rua, por pouco não foi morto por Força. Viu o reflexo dele, no vidro de um carro, pouco antes do rapaz atirar. Migrador jogou – se no chão e arrastou – se até o outro lado do veículo. Ouviu Força correndo pela rua e atirou a esmo. Isso, pelo menos, serviu para assustar seu perseguidor. O assassino pulou um muro próximo e entrou num estacionamento coberto, que existia do outro lado dele.

Força seguiu Migrador pelo mesmo caminho que o assassino fugiu. Não perderia tempo buscando outro ascesso mais seguro, arriscando – se a deixar seu alvo fugir. Entrou no estacionamento o mais silenciosamente que podia. Estava escuro. Muito escuro. Força, entretanto, não precisaria denunciar sua posição, acendendo a lanterna existente na ponta de sua arma. Sacou de um dos bolsos de seu uniforme negro um par de óculos de visão noturna. A vantagem era sua. Seu inimigo não enxergava no escuro. Já ele gozava de excelente visibilidade. Posicionou – se num canto do local, de onde poderia ver todo o estacionamento e esperou.
Migrador, com dificuldade, conseguiu divisar uma escadaria, próxima do lugar onde estava escondido. Com um pouco de sorte, elas o levariam até o outro lado do estacionamento e, em seguida para a rua dou outro lado do quarteirão. Correu até elas, da forma mais discreta e silenciosa que conseguia.
Força viu claramente o assassino indo em direção a umas escadas, do outro lado do estacionamento. Foi em seu encalço.
Ao chegar a sala que as escadas conduziam, os sentidos de Migrador, acostumados a ambientes escuros e treinados por meses de ações nessas condições, percebeu uma movimentação no estacionamento. Migrador abaixou – se. Era seu algoz. Tentar simplesmente escapar naquele momento seria suicídio. O inimigo estava muito melhor armado, protegido e equipado do que ele. Era bem treinado e, se estava se movendo, eram grandes a s chances de tê – lo visto. Abaixou – se atrás de uma das mesas da sala e esperou.
E Força veio, escadas acima. Furioso. Implacável. Tomado pelo ódio. Cometendo o mesmo erro de Perdição, momentos atrás. Ao passar pela porta, foi atacado por Migrador que o atingiu repetidas vezes com um gancho de porta articulada. Força tentou reagir atirando mas o assassino foi rápido e, depois de desviar do tiro, acertou um golpe mais violento no inimigo, impulsionando – o para trás, fazendo – o cair pela janela do escritório. Força aterrizou, quatro metros abaixo, sobre a capota de um Carmanguia. Torceu a perna e quebrou várias costelas. A dor era tanta que não conseguia se levantar. Ouviu Migrador se aproximando.
- Quem diabos são vocês?
- A – a- Jus – tiça... - Balbuciou Força. Sua vista começava a ficar turva.
Migrador ainda não entendia nada. A única certeza que tinha é que devia eliminar esse estranho. E logo. Pra não vir mais atrás dele. Levantou o gancho de ferro.
- Chega Felipe! – Ouviu uma voz conhecida vindo da escuridão á frente. Uma voz que já ouvira anos atrás, e naquela noite também, mas que o medo e a fúria não permitiram lembrar –se de quem era. Mas que agora ele se lembrava claramente.
- Apareça, Alexandre. – Ordenou a escuridão. E da escuridão surgiu seu amigo de juventude, trajando o mesmo uniforme militar negro, empunhando a Uzi numa das mãos. O tom de voz havia mudado um pouco, desde a penúltima vez que se encontraram, muitos anos atrás. As feições também. Mas sabia que aquele que o perseguia era Alexandre, sem dúvida alguma.
- Porque, Felipe... Quase não consigo acreditar... – Suspirou Alexandre.
- Não se atreva a me julgar !!! – Gritou, Migrador, raivoso. – Sou o que sou e aceito isso. Não me escondo atrás de máscaras. Não nego meus instintos, nem me uso religião alguma pra frear meus impulsos! Sou EU MESMO. E GOSTO MUITO do que faço!
Alexandre estava num tal estado emocional de decepção que mal segurava a arma que trazia consigo.
- Quando vi você dentro do apartamento não quis acreditar. Quase matei minha amiga exitando atacá – lo. Ainda não acredito... Não PODE SER VOCÊ!!!
- Mas sou! – Migrador atirou em Alexandre. Este, contudo, estava mais preparado que os dois atacantes anteriores. Jogou – se de lado e disparou a Uzi. Balas cortaram o ar próximo ao peito de Migrador e não o atingiram por milímetros, graças a seus reflexos espantosos. O assassino, agora mais próximo de Alexandre, girou o corpo e, com um chute bem aplicado, tirou a arma das mãos do inimigo. A Uzi rolou pra debaixo do Carmangia onde Força jazia semi – consciente. Foi a vez de Alexandre, usando de seu treinamento em combate corporal, esquecer a arma e atcar Migrador violentamente. Usando golpes precisos, não demorou mais que alguns segundos para prostrar seu inimigo á seus pés.
- Melhorou bastante, Alexandre... – disse Migrador, tossindo sangue, debruçado no chão, a frente do ex - amigo. – Pra quem mal conseguia ganhar uma briga de porta de colégio, você não está nada mal. Só o seu humor insuportável é que continua o mesmo.
- Felipe. Não tem que ser assim. Posso ajudá – lo. Não precisa terminar desse jeito.
Migrador esboçou uma expressão de choro e abaixou a cabeça. Alexandre se aproximou ainda mais. Perigosamente demais.
Migrador virou – se, agarrou – o pelo braço disparando três tiros á queima roupa. Alexandre caiu ao seu lado. Sem demora, o assassino fugiu. Largou a arma na escuridão. Sem provas que o ligassem ao assassinato do antigo amigo. Entrou pela porta ao lado e saiu na rua, do outro lado do quarteirão. Ouviu vozes. Pessoas. Provavelmente alguém tinha ouvido o tiroteio. Sirenes. A polícia. Tinha de se esconder. Não podia ser visto. Enxergou uma ponte na escuridão, mais á frente. Se conseguisse chegar até ela e atravessá – la, se afastaria do lugar onde tudo aconteceu e fugiria sem amoires problemas.
Caminhou apressadamente. Na metade do caminho sentiu um pontada no peito. Olhou e viu, através da parte descoberta pela camisa desabotoada, que estava sangrando. O maldito Alexandre conseguiu acertá – lo, ainda que de raspão.
Não tinha tempo para pensar nisso agora. Estava atravessando a ponte. Era alta, muito alta. Dez ou doze metros. Uma ampla avenida, agora vazia. Passava por baixo dela. Fugir. Precisava escapar. Sirenes da polícia. Jha deviam estar encontrando os corpos. Um tiro. Bem próximo. Suas costas latejaram e Migrador perdeu o fôlego. Caiu próximo a murada da ponte.
- Te ofereci uma chance. Uma saída. A oportunidade de recomeçar. E como lixo, você descartou a nós dois. A mim e sua oportunidade. – Alexandre aparecia novamente da escuridão da noite como o anjo da vingança. Ileso. Ameaçador.
- Eu te matei. – Choramingou Migrador.
- Vamos combinar Felipe! Jogamos RPG por anos. Já devia esperar por isso. Kevlar. Achou que participaria de uma operação dessas despreparado?
- E o que vai fazer agora? Me entregar pra polícia? Sabe que, tirando o que fiz pra vocês hoje, não pode provar nada contra mim. Tenho dinheiro. Vou estar livre logo! – Desafiou o assassino, revoltado e tomado pelo ódio.
- E quem disse que vou deixá – lo vivo? – Revidou Alexandre.
- Não... Esp – espere! NÂO!
Alexandre atirou mas a arma estava sem balas. Migrador comemorou.
- Não vai poder fazer nada. Está sem munição!
Seu perseguidor olhou para a beirada da ponte. Pra avenida lá em baixo e depois para Migrador.
- O que vai fazer, seu psicopata? Não pode me matar!
Com migrador nas mãos, Alexandre quase riu ao ouvir aquilo.
-Vai por inferno da mesma forma que eu!
- Ah não. Não vou não. - Atirou Migrador para um mergulho mortal no vazio. Precisamente, doze metros e meio abaixo, O assassino teve a caixa craniana dolorosamente esfacelada contra o asfalto. Obedecendo a gravidade, em seguida vieram seu pescoço e ombros, torcendo – se , quabrando e se deslocando, conforme a inércia gravitacional agia. Quando as pernas pousaram, o asfalto da avenida já estava coberto por sangue, pedaços de carne, ossos e massa encefálica. Migrador estava morto, e a caminho do inferno.

Um carro parou atrás de Alexandre. Por um instante o rapaz temeu ser a polícia. Na verdade era Força, já razoavelmente recuperado, que vinha buscá – lo. Desceu do carro e foi até o parapeito ver o que havia acontecido.
- Você conseguiu.
- Nós conseguimos. Sem vocês dois, e o que fizeram contra esse maldito, eu jamais teria conseguido. Onde está Perdição?
- Dentro do carro. Dei – lhe um sedativo. Está dormindo. Mas ainda assim está melhor do que eu.
- E você? - Perguntou Alexandre, observando a perna ferida do amigo. – Mal consegue andar.
- Vou sobreviver. Chega de conversa mole, Alexandre, já posso voltar a chamá – lo assim? – Brincou o amigo. - Vamos embora antes que alguém apareça.
- Vamos sim, Fernando. Vamos embora. Já tivemos o bastante por esta noite.
Entraram no carro e desapareceram rua abaixo. O primeiro passo havia sido dado. A noite tornara – se menos perigosa, com um monstro a menos para assombrar a escuridão e as almas dos justos. Os outros, ao tempo certo, com certeza cairiam também.
Eles estariam lá para assegurar isso.